Coube a uma princesa da Itália estimular a culinária da França no século 16. Antes disso, faltava aos franceses, vejam só, o aplomb que pouco depois eles se encarregariam de distribuir no comando da gastronomia mais influente do mundo
A história da gastronomia francesa é longa e rica de personagens que ficaram célebres. Assunto não falta, mas a ideia aqui é outra: destacar en passant alguns momentos mais marcantes da culinária que, mon Dieu!, só começou a deslanchar para valer com a ajuda dos chefs italianos importados por Catarina de Médici, no século 16. "Antes disso, os franceses quase não comiam vegetais. Era uma cozinha bárbara", diz Ricardo Maranhão, professor de História da Gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi. De lá para cá, muito croissant rolou e a culinária francesa se impôs como a mais importante do mundo, festejada, reproduzida e copiada à exaustão.
Veja na linha do tempo ao lado um pouco dessa história através de receitas emblemáticas como o crème brûllée, o molho béchamel, o pêssego melba e o salmão com azedinha. Todos os pratos desta página foram executados, a pedidos, pelo chef (français, bien sûr!) Laurent Hervé, do restaurante Eau (Av. das Nações Unidas, 13.301, 2838-3207).
SÉCULO 16
Quando a italiana Catarina de Médici (1519-1589) se casou com o rei francês Henrique II, a França ganhou refinamento à mesa. Além de louças e hábitos sofisticados, a nova rainha trouxe em sua comitiva chefs italianos que apresentaram aos cozinheiros locais técnicas de confeitaria e ingredientes como especiarias, alcachofra, trufa, cogumelo...
SÉCULO 17
François Vatel (1631-1671) era maître do Palácio de Chantilly, mas entrou para a história como o primeiro chef respeitado e reconhecido no país. A lenda do maître transformado em cozinheiro ganhou força após o suicídio de Vatel. Ele teria se matado porque uma encomenda de peixe não chegou a tempo para o banquete em homenagem ao rei Luis XIV. Como era responsável pela comida, Vatel preferiu morrer a manchar sua reputação. Foi na cozinha de Chantilly, sob seus cuidados, que o creme de chantilly foi inventado.
Crème brûlée. Sua autoria é desconhecida e ninguém sabe se ele é um francês legítimo ou se vem de família espanhola (crema catalana) ou inglesa (custard). Mas a receita é antiga, apareceu pela primeira vez em 1691, no livro Le Cuisinier Royal et Bourgeois, do chef François Massialot. Servido em temperatura ambiente com a crosta de açúcar vitrificado, ele tem longa história de sucesso. Mas nós não vamos mentir: colocamos nessa matéria só para não perder a brincadeira - liberté, egalité e crème brûlée!
Veja: receita de crème brûlée
Descoberto no México pelos conquistadores espanhóis, o chocolate já fazia sucesso na Europa no século 16. Como bebida, chegou à França em 1615, com a princesa espanhola Ana da Áustria. Porém foi outra espanhola da família, Maria Teresa, casada com o rei Luís XIV, quem difundiu o gosto pelo chocolate entre a nobreza francesa. Mas demorou para a iguaria cair na boca do povo: só no século 19 a plebe sentiu o gostinho de cacau.
SÉCULO 18
Conhecido como "o "cozinheiro dos reis e o rei dos cozinheiros", Marie-Antoine (Antonin) Carême (1784-1833) transformou a confeitaria em arte. Seus doces eram elaboradíssimos - foi ele quem fez o bolo de casamento de Napoleão. Mas o talento de Carême foi além da pâtisserie. Ele conferiu personalidade à gastronomia francesa ao utilizar molhos variados, como o béchamel - batizado em homenagem ao marquês Louis de Béchameil. Também organizou a ordem dos pratos servidos nos jantares. E acredita-se que foi ele o inventor da toque blanche, o chapéu de cozinheiro.
SÉCULO 19
Restaurantes franceses ganharam impulso com o fim da Revolução Francesa (1789-1799). Foi quando a burguesia começou a sair para jantar fora e se deliciar com a possibilidade de poder escolher o que comer, já que o cardápio foi criado nessa época. Antes disso, os restaurantes (alguns já existiam desde o século 16) costumavam oferecer apenas uma opção de prato.
Georges Auguste Escoffier (1846-1955) modernizou a cozinha francesa ao atualizar o estilo de Carême. Ele também compilou mais de 2 mil receitas que formam o alicerce da alta gastronomia da França. Além disso, organizou a cozinha em praças (das carnes, das saladas, das sobremesas...). Foi um dos primeiros chefs a defender a valorização do sabor original dos ingredientes. Uma de suas invenções mais reconhecidas e imitadas é o Pêche Melba, sobremesa de pêssego - a receita está aí ao lado. Ele foi criado em homenagem à cantora australiana Nellie Melba, uma diva da ópera.
Veja: receita de pêssego melba
SÉCULO 20
Fernand Point (1897-1955) é considerado o pai da moderna cozinha francesa. Pelo La Pyramide, seu restaurante em Vienne, cidade próxima a Lyon, passaram chefs como Paul Bocuse, Alain Chapel e os irmãos Troisgros. Point valorizava ingredientes da estação e molhos leves. Descreveu sua experiência culinária em Ma Gastronomie. Foi um dos inspiradores da nouvelle cuisine.
Nouvelle cuisine. No início da década de 70, os críticos gastronômicos Henri Gault e Christian Millau usaram essa expressão para descrever um tipo de cozinha que se distanciava do clássico francês. A "nova cozinha" praticada por chefs como Michel Guérard, Alain Chapel, Paul Bocuse e os irmãos Troisgros deixava para trás os molhos espessos e gordurosos em favor de pratos mais delicados. Os novos cozinheiros buscavam ressaltar o frescor dos ingredientes aliado à simplicidade de preparação. O saumon à l’oseille, dos irmãos Jean e Pierre Troisgros, é um prato marcante desse período.
SÉCULO 21
Bistronomia. Os bistrôs gastronômicos, que surgiram na França no fim do século 20, começaram a ganhar fôlego e visibilidade neste século. Eles são uma alternativa aos restaurantes de haute cuisine. Servem boa comida a preços razoáveis. Os bistronomiques costumam ter na cozinha chefs experientes, a exemplo de Yves de Camderborde, do Le Comptoir du Relais, e Iñaki Aizpitarte, do Le Chateaubriand. O chef Christian Constant, que deixou o comando do Les Ambassadeurs no Hotel Crillon para abrir o bistrô Le Violon de Ingres, é considerado o pai dessa tendência.
Fonte: O estadão
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